sexta-feira, 2 de setembro de 2011

1 – Calafrio

O copo de veneno se encontrava no balcão a sua frente, transparente e deboxadamente quieto, sem mostrar nenhuma onda de perturbação, contrastando com a barulheira e agitação do bar.

Augusto sabia que aquilo iria matá-lo, mas afinal, que diferença iria fazer? Eventualmente todos nós acabamos sendo roídos pelos mais diversos vermes.

Certo dia gritaram do canto do bar para Augusto: “cuidado cara, isso vai te matar aos poucos” – conselho que foi recebido com um chacoalhar de ombros seguido de um típico comentário sarcástico: tudo bem, que me mate lentamente, não estou mesmo com nenhuma pressa para morrer – este é um exemplo típico de falsa demonstração de afeto que Augusto detestava, onde as pessoas apenas falavam isso para serem polidas, nunca se importando realmente com ele.

Bebia, bebia muito, justamente sob o pretexto de querer afogar as mágoas, o ressentimento de nunca ter encontrado uma pessoa, seja familiar, amigo, namorada, que realmente se importasse com ele, porem, ironicamente, sempre que pegava num copo de bebida, ao invés de esquecer de tudo e de todos, apenas enxergava a sua insignificância perante o mundo.

Cansado de encarar a realidade no fundo do copo, enojado por reconhecer sua própria insignificância, resolveu sair fora. Consulta seu relógio e vê que já passara muito da hora dele voltar para casa, afinal, ele precisará de todas as horas de sono disponíveis para encarar mais um dia de trabalho, ainda mais sendo mais um dia de trabalho com uma tremenda ressaca.

Ao se encaminhar para o caixa Augusto sente que alguma coisa está errada sabe, aquele tipo de situação em que você sente um arrepio na nuca ou então vê supostamente algo com o canto dos olhos, pode ser uma pessoa, um bicho, um vulto, uma sombra, mas quando se vira para averiguar, mas que acaba não encontrando nada, mas mesmo assim ainda seria capaz de dizer “hei, tenho certeza de que tinha alguma coisa ali!”.

Bem, com Augusto as coisas se passaram meio diferentes. A sensação de que algo estava à espreita observando-o foi a mesma, o que mudou é que ao virar para olhar quem ou o que era que estava mexendo com seus sentidos ele acabou obtendo êxito, foi então que ele viu o homem de preto.

O Homem de preto estava sentado no canto do bar e olhava diretamente nos olhos de Augusto e ao se estabelecer o contato visual esse abriu um sorriso que Augusto julgou ser um tanto frio, isto é, literalmente falando, pois por mais quente e abafado que o bar pudesse estar, repentinamente ele sentiu uma onda de calafrio, começou a bater os dentes de tanto frio, seus lábios ficaram roxo e os pêlos de seu braço estavam todos arrepiados, subitamente da mesma forma que esta inesperada prévia do inverno europeu chegou também se dissipou.

Augusto olhou em sua volta e notou que as coisas no bar estavam as mesmas de 5 segundos atrás, todos estavam bebendo, o velho estéreo continuava desfilando o solo de Jimmy Page e o falatório era mais alto que o velho aparelho de som, a velha rotina seguia dentro do bar como se nenhuma súbita frente fria tivesse momentaneamente passado por ali.

Teria ele imaginado tudo aquilo? Bem imaginação ou não, o homem de preto continuava a existir, uma figura sólida, praticamente imóvel no canto obscuro do bar, a única diferença era que não estava mais sorrindo. O caixa do bar ao perceber o interesse de Augusto naquele sujeito, comenta:

- Figurinha estranha aquela ali, hein Guto?

- Sujeito branquelo, com cabelos compridos amarrados para trás, coturno, roupa toda preta e sobre tudo. Já vi um desses malucos por aí Jonas, esses tais de góticos, gostam de andar apenas de noite, evitam a luz do dia como se fossem vampiros e usam toda essa parafernália, eu estaria torrando se estivesse usando toda aquela roupa. Já viu ele por aqui antes?

- Conheço não, é cliente novo no pedaço, mas sabe como é, dinheiro novo é dinheiro bem vindo, pouco me importa se ele é gótico, ex-presidiário ou se atua em entidades filantrópicas

- Pra mim são um bando de veados enrustidos. – com essa pomposa frase Augusto encerra a conversa, paga a conta e se dirige para fora do bar, acontece que ele não poderia estar mais errado com relação ao homem no canto do bar e nem se deu conta que durante a conversa com Jonas ele fechou o zíper de seu moletom enquanto Homem de Preto sorria discretamente vendo-o ganhar as ruas da Capital.